quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Neoliberalismo na Educação Pública


por Magda Souza de Jesus

Professora de Língua Portuguesa da rede pública do estado de São Paulo e Diretora Adjunta da Secretaria de Formação




Os governos Covas, Alckmin e Serra vêm progressivamente isentando o Estado da responsabilidade para com a manutenção financeira da escola pública e aumentando o controle sobre o funcionamento administrativo e o trabalho docente para atender ao padrão neoliberal de gestão. Para adequar a educação aos mecanismos de mercado e à lógica da contenção de gastos com setores sociais, os tecnocratas a serviço das políticas elaboradas pelas agências internacionais impõem a flexibilização na legislação trabalhista, a centralização das decisões, parcerias com o setor privado e um modelo de avaliação institucional que desconsidera qualquer projeto pedagógico e a realidade sociopolítica do estado.

É claro que tudo isso é desenvolvido sob o discurso de valorização do diálogo entre os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e a comunidade escolar, democratização da escola, participação popular, etc.

Mas o fato é que a construção ideológica neoliberal revitaliza um ideário baseado na racionalidade técnica como instrumento para responder à crise educacional. A escola e os educadores devem incorporar as idéias de competitividade e eficiência, oriundas do mundo da produção capitalista, para que a escola cumpra a sua função: formatar o educando conforme a lógica do mercado, pois a crise estrutural demanda novas fontes e frentes de valorização do capital, uma vez que as tradicionais não garantem a reprodução do sistema capitalista. Assim, conceitos como produtividade e eficiência são aplicados na gestão e até nas práticas pedagógicas.

A precarização e a perda da autonomia do trabalho docente estão relacionadas à centralização da política educacional combinada com a desconcentração das tarefas administrativas e do financiamento, medidas tomadas no sentido de liberar o Estado das suas responsabilidades. Isso não significa maior autonomia para a comunidade escolar. Ao contrário, a centralização do poder ocorre principalmente nos elementos ligados ao processo de ensino-aprendizagem (currículo, formação docente e avaliação do ensino).

O Estado tem minimizado sua atuação para construir a cultura da necessidade da intervenção do setor privado para elevar a qualidade dos serviços públicos; a gestão do setor público pelo privado tem sido sustentada por parcerias com organizações não governamentais. Somente em 2008 foram reservados R$ 8,5 bilhões para o ensino fundamental e R$ 8,2 bilhões para pagamento de juros da dívida pública - em confronto aberto com a histórica reivindicação do professorado paulista e do Plano Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira que apontou há mais de 10 anos a necessidade do investimento de 10% do PIB na educação.

A desvalorização do professor

Uma das principais vítimas do modelo educacional neoliberal é o professor, que no Estado de São Paulo vem sendo constantemente vilipendiado. Os efetivos vêm seus direitos serem cotidianamente suprimidos e os OFAs( Ocupante de Função Atividade), chamados temporários, encontram na Secretaria de Educação do Estado um verdadeiro inimigo – que busca manter contratos precários, estabelece a rotatividade dos professores na escola, e já tentou até a expulsão sumária de mais de 30 mil docentes que há mais de 10 anos atuam na rede, como aconteceu no governo Alckmin.

Ao invés de garantir a incorporação dos professores contratados em regime “temporário” – que representam 44% do quadro no Estado – o governo tucano estabelece a precária estabilidade de 12 aulas e oficializa o bico na Educação Pública. Os professores contratados após a SPPrev ( junho/2007) não têm os mesmos direitos de funcionários públicos nem de trabalhador celetista, e a partir de 2011, a cada ano trabalhado terão que ficar fora da rede de ensino por 200 dias, para não caracterizar vínculo empregatício, assim o Estado se desresponsabiliza por seus servidores e institui a rotatividade docente na rede.

Somados aos ataques no âmbito da política de contratação, os professores enfrentam ainda profunda compressão salarial. O Estado mais rico da federação está em 14º lugar nacional na escala salarial docente e não respeita a data-base da categoria (1º de março).

Ao invés de estabelecer uma política de ascensão profissional baseada no tempo de dedicação ao magistério e na formação continuada, o tucanato submete os docentes ao bônus, gratificações e outros penduricalhos que não são incorporados quando da aposentadoria e podem ser modificadas ao bel prazer das administrações. Como no caso do ALE (Adicional de Local de Exercício), em vigor desde 1991 e que ao longo desta gestão já sofreu duas alterações. Em março de 2008, o governo reestruturou o pagamento do benefício por meio do decreto 56.674 que cortou o adicional em centenas de escolas ao instituir um “índice de classificação de risco” que não corresponde à realidade. Recentemente, com a aprovação do PLC 29/09, o governo ainda instituiu a incidência de descontos previdenciários e de assistência médica sobre o adicional. O aumento da vulnerabilidade social derivado do avanço do modelo neoliberal expande os riscos de conflitos e violência para todas as regiões do estado, evidenciando que o correto seria estender o pagamento do ALE a toda a categoria docente

Depois de implementar a política de avaliação externa do educando, o governo implementa a política de avaliação para os profissionais da educação na perspectiva de responsabilizá-lo pelo seu baixo salário. Neste sentido têm sido criados incentivos financeiros para obter adesão a política educacional governamental. Através da lei 1078/2008, o governo Serra instituiu o pagamento do bônus por resultados, condicionado ao cumprimento de metas previamente estabelecidas. Na seqüência, aprovou o PLC 29/2009, que atrela o reajuste salarial ao critério absolutizado do mérito, negando a influência do contexto social, político e econômico nos resultados. O direito de todos os profissionais da educação à remuneração descente foi substituído por uma política salarial que responsabiliza o indivíduo pelos salários aviltantes, desumanizando ainda mais o profissional da educação.

O PLC 29/2009 acena com a possibilidade de melhorias salariais, mas estabelece “exame” para evolução funcional e é discriminatório ao beneficiar até 20% dos professores, excluindo 80% da categoria ao reajuste salarial, também atenta contra a isonomia salarial - professores com igual formação, mesma jornada de trabalho, cumprindo as mesmas funções, na mesma escola, poderão ter salários diferenciado. Num universo de 150 mil profissionais da educação, se houver recursos orçamentários e após 12 anos, apenas 240 professores terão direito ao salário propagado pelo governo do estado. Além de acabar com a isonomia salarial, condiciona a possibilidade de o docente pleitear a progressão salarial ao presenteísmo, à permanência numa mesma escola por três anos e à existência de dotação orçamentária. Ou seja, se o professor cumprir a maratona de critérios ainda ficará sujeito à disponibilidade orçamentária para evoluir financeiramente na carreira. Este projeto exclui também todos os profissionais aposentados que já perdem cerca de 40% da remuneração ao se aposentarem, em função da política salarial baseada em bônus e gratificações.

Avaliação Externa

Passada mais de uma década de política educacional neoliberal na Educação Pública do Estado de São Paulo - particularmente com a política de desvalorização do magistério - os resultados são estarrecedores. O estado mais poderoso da União amarga baixíssima colocação nos “rankings educacionais”, refletindo a profunda precarização do conjunto dos elementos que compõe o trabalho docente. Os planos educacionais são direcionados para a desvalorização do professor enquanto um sujeito reflexivo e autônomo no seu trabalho.

O professor vem perdendo a centralidade no processo de ensino-aprendizagem. O caderno de atividades uniformiza a rede, induz o currículo ao definir o que precisa ser trabalhado, transforma a escola em um imenso cursinho preparatório para as avaliações externas e converte o educador em mero executor de um plano alheio que tem como objetivo principal garantir os indicadores quantitativos em detrimento dos qualitativos. Além disso, o docente é submetido a difíceis condições de trabalho, à violência no interior da sala de aula, à perda de prestígio da sua função, à redução da autonomia no trabalho docente, à superlotação das salas de aula.

Apesar destas dificuldades objetivas, o professor é apontado como o principal responsável pelos baixos índices de aproveitamento escolar aferido nas avaliações realizadas em âmbito estadual e nacional (SARESP, SAEB, PROVA BRASIL, ENEM).

São muitas as avaliações institucionais, desenvolvidas por especialistas que não estão inseridos no trabalho educacional. De forma vertical são estabelecidos critérios de desempenho escolar para todas as escolas, independentemente das suas condições concretas de ensino. Esses critérios tornam um importante indutor das condutas escolares e fazem com que a avaliação realizada pelos professores em sala de aula acabe sendo colocada em segundo plano, uma vez que as escolas passam a buscar resultados que atendam aos critérios estabelecidos pelos órgãos centrais.

Há também o incentivo da competição entre as unidades escolares para desenvolverem planos de ação que melhorem os resultados de aprendizado, de acordo com as metas de desempenho estabelecidas, produzindo assim, melhores índices estatísticos. Esse tipo de avaliação vem tornando-se um fim em si mesmo, contrariando os ensinamentos de Paulo Freire: “Educar é impregnar de sentido cada ato educativo”. As avaliações institucionais não servem para reordenar a prática pedagógica ou para superar as dificuldades do processo de ensino-aprendizagem, pois não refletem as condições reais de trabalho, ensino e aprendizagem contidas na escola.

A ingerência direta sobre a autonomia pedagógica das escolas conduz à busca insana pela evolução dos indicadores quantitativos e transforma a experiência educativa em puro treinamento técnico. O aluno torna-se consumidor do ensino e o professor deve ser um funcionário treinado, resiliente e competente para preparar os estudantes para aceitar a lógica do mercado.

Qualquer proposta de avaliação que tiver como objetivo realizar um diagnóstico concreto das dificuldades da escola pública para superá-las, revelará as mazelas vividas no sistema: as péssimas condições salariais e de trabalho, a jornada extenuante dos profissionais da educação, excesso de alunos por sala de aula, violência escolar, ausência de política de formação contínua dos educadores, a gestão autoritária da unidade escolar e todos os outros problemas oriundos da gritante desigualdade social produzida pelo sistema capitalista. É necessário desvelar o neoliberalismo nas políticas educacionais que equaciona problemas sociais, políticos, econômicos como problemas de gerência adequada e eficiente ou inadequada e ineficiente da Educação Pública.

Gestão Democrática

O projeto educacional em pauta é contrário à democratização da gestão escolar. Não há da parte do poder público uma postura que propicie a condução coletiva do destino da escola. As políticas educacionais têm como resultante um processo de privatização, terceirização, centralização e controle burocrático sobre as escolas e sobre o trabalho docente, dificultando ainda mais o processo de ensino-aprendizagem. Tal realidade serve para inviabilizar a formação crítica das novas gerações e esvaziar a especificidade do trabalho docente.

Para a formação das novas gerações é imprescindível que o docente tenha autonomia, participe diretamente do processo de construção curricular, da gestão escolar e, principalmente, da autogestão de seu trabalho que precisa ocorrer dentro de um ambiente que lhe permita de fato refletir sobre sua prática e desenvolver uma prática orientada pela sua reflexão.

A construção de uma sociedade pautada em valores promovedores de humanização e da igualdade social é fundamental para reverter à lógica das políticas educacionais que vêm sendo progressivamente implementadas pelos governos de neoliberais. O nosso comprometimento, como profissionais da educação, é imprescindível para construir uma nova sociedade, cuja estrutura social seja modificada à medida que são transformadas as relações sociais que a sustentam. Por último, István Mészários nos ensina, “[...] a intervenção positiva da educação na elaboração dos meios de contrapor-se com êxito à dominação global do capital [...] é vital para o cumprimento do grande desafio internacional de nosso tempo histórico.”


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