quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O PRECONCEITO É FRUTO DA IGNORÂNCIA, MAS A DISCRIMINAÇÃO É A VELHA SENHORA OPRESSÃO


André Murtinho Ribeiro Chaves

Descendente de indígenas das etnias Bororo, MT e Kariri-Xocó, AL/SE

 

Como você se sentiria se invadissem o seu país, sua cidade, sua casa? Como se sentiria ainda se durante muitos anos este território fosse ocupado por estes invasores? E como se sentiria se, após anos acuados, os verdadeiros donos da terra decidissem retomar suas casas, seu território? Pense um pouco mais na história e nos direitos conquistados pela população mais pobre, vença o preconceito e reconheça o grito: “esta terra é nossa e ninguém tira!”.

Sempre que defendemos os direitos indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, sem-terras, sem-tetos e favelados, surgem vozes preconceituosas (e certamente ignorantes) atacando estes povos, como se os violentos fossem eles ou mesmo como se ser miserável fosse uma opção, chamando de “mendigos”, “sujos”, “vagabundos”, “pedintes”, “alcóolatras”, entre outras barbaridades.

Por incrível que pareça, o mais contraditório e incoerente, em relação aos indígenas, é a acusação de que “índio que sabe falar e que tem celular já não é mais índio”, ignorando um dos aspectos mais importantes da sociedade que é a miscigenação cultural. O fato de incorporar aspectos de outras culturas não significa, nem é o suficiente para negar a sua. Neste ponto, perguntamos: se acham ruim o indígena estar mendigando ou mesmo se acham péssimo indígenas incorporarem outras culturas, o que querem para nossos povos originários? O extermínio?

Certamente, muitos destes comportamentos discriminatórios são frutos de um preconceito embutido em nossa cultura eurocêntrica, dominadora e opressora, com os quais convivemos e acumulamos desde criancinha, através da educação escolar e da grande mídia empresarial. Contraditoriamente, as escolas governamental e empresarial, em boa parte, ainda se negam a ensinar a história da formação do povo brasileiro segundo a visão das matrizes negra e indígena, tratando-os como selvagens (próximos aos animais irracionais) e incapazes.

O foco da formação do Brasil ainda é o descobrimento de uma nova terra que precisava se evangelizar e ser explorada economicamente, ignorando de forma criminosa que esta terra já tinha habitantes – e muitos – e que foram assassinados, violentados, estuprados, escravizados, evangelizados e explorados. A diversidade de povos existentes, de religiões e de línguas era muito grande, bem como suas populações eram numerosas: carijós, guaranis, tupiniquins, tupinambás, potiguaras, tabajaras, caetés, tamoios, caiapós, entre tantos outros. Hoje, pouco resta desta diversidade. Mas resta.

Portanto, quando alguém se refere aos indígenas como sendo “uma outra gente”, certamente ignora (ou finge que ignora) que a gente é indígena, a gente é negro, a gente é branco, já que na nossa cultura e na nossa genética temos um pouco de cada, formando esta nova etnia: a brasileira. Discriminar os nossos antepassados é como espancar nossas bisavós, uma tremenda covardia.

 

Infelizmente, os dados censitários do IBGE demonstram o extermínio e o preconceito presentes na nossa sociedade, já que pela auto-declaração, poucos se consideram indígenas, muitas vezes assinalando “pardos”, buscando fugir do preconceito declarado de boa parte da população. Esta discriminação está presente nos mais diversos espaços públicos, por exemplo, nas escolas, quando alunos e professores, em sua maioria, consideram o “ser índio” uma coisa menor, selvagem. Chamar alguém de índio, infelizmente, é um xingamento em muitos lugares.

Recentemente, 170 indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, depois de tantos séculos de opressão, que resultou no genocídio de seus povos, decidiram não permitir mais a invasão de fazendeiros, permanecendo nas suas terras, no seu território, conforme comprova estudo do antropólogo Tonico Benites: “No que diz respeito aos territórios tradicionais guarani e kaiowá reivindicados pelos indígenas contemporâneos, as fontes históricas e arqueológicas assinalam claramente o fato de que o atual cone sul do Mato Grosso do Sul é, através de séculos, território de ocupação tradicional dos guarani-kaiowá. Porém, atualmente, eles demandam somente uma parte dos territórios antigos, localizados basicamente à margem de cinco rios: Brilhantes, Dourados, Apa, Iguatemi e Hovy. “

 

Portanto, se há “uma gente” fora de seu lugar, certamente não são os indígenas. É preciso conhecer melhor a História do Brasil e do mundo, para vencer esta ignorância que violenta a nossa população pobre, oprimida e marginalizada. A pobreza é fruto da exploração secular, foi determinada historicamente, não ocorreu ao acaso e, muito menos, é uma opção.

 

Temos que ter mais respeito com os nossos antepassados. Somos todos indígenas. Somos todos Guarani-Kaiowá.
 
 

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